Ainda me lembrava claramente do dia em que
saí de casa. Com meu pai berrando atrás de mim, me chingando, chingando a minha
mãe... Ela havia falecido um ano antes, e desde aquele dia ele sempre chegava
bêbado em casa. Eu não queria deixa-lo sozinho, mas já não aguentava mais ser
maltratada e ouvir as palavras que ele costumava gritar, a ponto de todos os
nossos vizinhos escutarem ele dizer eu era a culpada de tudo. Ouvia as mesmas
coisas desde criança. Ele maltratava a minha mãe também. Muito mais do que a
mim. E vivia repetindo que se eu não existisse, eles nem precisariam se casar,
e ela não estaria passando por tudo aquilo. Às vezes ainda me lembrava de ela
tapando os meus ouvidos com as mãos, na tentativa inútil de não me deixar
escutar os gritos dele. Ela acabou não aguentando tudo aquilo e “tomou remédios
demais”. Aí sim eu senti que a culpa de tudo era minha.
Apesar de sempre ouvir coisas horríveis todos
os dias, continuei em casa o quanto pude. Inexplicavelmente, eu ainda o amava,
ele ainda era o meu pai. Não tinha lembrança alguma de momentos felizes na
minha infância, mas ainda o chamava de pai. Mesmo estando crescida, e sabendo o
que era uma família. Até que um dia, resolvi deixa-lo e vir para o Rio, onde
minha mãe havia deixado um apartamento para mim. Com um pouco de receio, mas
mesmo assim, virei as costas e saí, prometendo a mim mesma que ele só veria meu
rosto novamente em uma tela de tv. Lembro que nessa noite antecedente, antes de saber se eu havia passado no teste ou não, sonhei com a minha mãe sorridente. Talvez aquilo fosse um sinal, assim como a Bárbara me ajudando a não passar o resto do dia de mau humor.
Acordei com a bagunça que a Betina fazia na minha cozinha. Ela era a única pessoa que eu conhecia que não conseguia ligar a cafeteira sem antes derrubar a cozinha inteira.
Eu: O que que você tá fazendo? Se foi pra me acordar, não tem nada, tô acostumada a dormir pouco.
Betina: Nada a ver Camis, eu só tô procurando açúcar.
Eu: Dentro das panelas? O açúcar fica do outro lado. – Mostrei a ela onde ficava. – Você sempre arruma uma desculpa pra deixar minha cozinha de pernas pro ar.
Betina: Poxa... – ela fez bico – Eu só queria fazer um café da manhã legal pra te dar uma notícia mais legal ainda.
Eu: Notícia?
Betina: É.
Eu: Que notícia?
Betina: Tem certeza que você quer saber?
Eu: Betina!
Betina: Tá, eu conto, eu conto! É que seu telefone tocou a alguns minutos atrás e eu atendi, disse que você não poderia atender naquele momento... Até porque você chegou às cinco da manhã, eu não sou malvada a ponto de não te deixar dormir mais um pouco.
Eu: E... E...
Betina: E o que mulher?
Eu: Quem era Betina?
Betina: Adivinha...
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